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O Balão Vermelho

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  Pietra      A pacatez daqueles dias, deixavam-na sonhar com o futuro. Quem sabe se alguma vez recuperaria o silêncio do rio, o riso das nuvens, os segredos que contavam os pássaros daquele jardim?      Desde bem cedo, Pietra tecera os seus sonhos qual aranha habilidosa e aventureira. Fora uma criança criativa, assim o afirmavam os seus professores, assim a viam os seus amigos.       Na sua cabeça repleta de sonhos, habitaram umas criaturas imaginárias, que se tornaram suas amigas em segredo. Deu-lhes corpo, deu-lhes cor, mas, acima de tudo, deu-lhes emoções. Falavam em surdina, partilhavam desejos, construíam planos. Será que os outros a diriam louca se soubessem? Talvez..., talvez não chegassem a entender como aqueles momentos de pura introspecção, do outro eu, a ajudavam a crescer, a fazer face aos seus medos, às suas angústias e a ajudavam a planear os próximos passos. Talvez tenham sido esses os alicerces de uma personalidade ...
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                      A introspeção do recomeço      Era cedo. Passavam poucos minutos das sete da manhã, Clara estava estática na plataforma da estação. Um raio de sol batia-lhe levemente na face por onde deslizavam duas lágrimas cristalinas. Clara não se atrevia a virar o rosto, se o fizesse tudo poderia voltar ao ponto de partida...      Fechou os olhos e voltou às suas origens.       Voltou ao olhar profundo com que a sua gata a fitava pela manhã enquanto esperava que Clara se levantasse e lhe fosse colocar na sua tigelinha o seu repasto matinal. Era uma gata paciente, companheira e atenta. Nada lhe escapava, fosse o som do portão da entrada, fosse o suspiro que se soltava em surdina, fossem os passos arrastados que saiam da cama, o que quer que fosse era captado pela perspicácia da gata amiga da Clara. Tinha saudades desses tempos, dos tempos que antecederam a sua partida, a sua...
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  A Gata Malhada está de regresso!      A Gata Malhada não andava, desta vez, nem arreliada, nem atrapalhada, nem melindrada; estava apenas admirada! O que havia assim de tão importante? O que seria capaz de fazer a Malhada carregar o semblante?       Bem, uma certa movimentação de móveis e objetos que, à primeira vista, não teriam qualquer razão de ser, não teriam qualquer intenção. No entanto, mal sabia a malograda Gata Malhada o que ainda estaria para vir: um habitante que, certamente, não a faria sorrir ( "desenganem-se aqueles que acham que os gatos não sorriem, sorriem, pois!")        Regressando ao cerne da questão, depressa veio a Malhada a descobrir que os seus donos adotaram um cão!  "Um fedelho felpudo que lhe viria tirar a sua caminha de veludo!" "Um atrevido de nariz comprido que viria causar demasiado alarido!"  "Um...um...cão que seria, de certeza, um grande trapalhão e que lhe viria roubar a sua ração!...
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  Percalços de uma vida Era apenas um rapazito de doze anos. Franzino, de olhos azuis penetrantes e cabelo negro. A escola já terminara há algum tempo. Seu pai tinha falecido quando ele era ainda pequenino, tinha poucas memórias dele, nem tão pouco da sua face se lembrava. Recordava vagamente alguns breves episódios e vivia das memórias que os irmãos mais velhos lhe transmitiam. Ficara a viver numa aldeola remota no meio da floresta com a mãe e os seus três irmãos.    A pobreza das famílias era flagrante naqueles anos cinquenta, o pós-guerra, fosse ela qual fosse, a mundial, a colonial, fazia com que a vida não fosse abastada, com que os empregos escasseassem, com que a necessidade de sobreviver fosse o lema de todos. Para as mulheres restava pouco mais do que um casamento que providenciasse algum conforto, para os homens a via da emigração, das colónias, ...  Soledade, a mãe de Manuel, era ainda jovem quando o primeiro marido, pai dos seus quatro filhos, faleceu. Ap...
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Nicolau      A chuva não parava de bater na janela e os olhos daquela criança entristeciam um pouco mais.       Era sufocante ter que permanecer fechado entre quatro paredes quando podia simplesmente calcorrear todos aqueles montes, chutar a bola até à altura da copa das árvores, arremessar pequenas pedras para os charcos de água que se acumularam pelos caminhos e saltar a pés juntos nessas poças...     Ah! O prazer de fazer saltar salpicos de lama para todo o lado, chegar a casa molhado dos pés à cabeça e poder tomar um banho quente. Curiosamente, a mãe não apreciava quando ele lhe aparecia naquela figura, nunca entendera muito bem porquê, afinal tinha duas máquinas de lavar (dizia ela que estava precavida para quando lhe avariasse uma) e tinha um belo estendal onde colocar a roupa a secar.      Ele sabia bem que, embora certas tarefas domésticas a aborrecessem, nunca se sentia triste quando tinha roupa para estender, era o mo...
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  Um dia      O dia amanhecia solarengo, embora fresco, e prometia um recomeço. Aqueles recomeços que sentimos em cada manhã, em cada despertar, em cada raio de sol que vislumbramos pela janela. Precisamente aqueles raios de luz que nos iluminam o rosto ainda adormecido, quando nos sentamos à mesa para tomar o pequeno-almoço.       Daí a pouco toda a engrenagem se iniciaria, a primeira viagem de carro, deixar o filho na escola, começar mais um dia de trabalho, mais um dia de projetos que voavam nas linhas de cada letra sonante que sairia do rádio naquela manhã. Assim, tudo aconteceu como em todas as outras manhãs em que tudo recomeça.      Olhava com um sorriso, escondido pela máscara, os rostos daqueles que se cruzavam comigo, o que pensariam, o que sentiriam, que vida construíam? Todas as incógnitas que nos assolam, que se encaixam para que o mundo gire e não pare, são pedaços de um todo que não perspetivamos a todo o momento. ...
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A gata Malhada      A gata Malhada estava metida novamente numa grande alhada!    Por esta altura, o leitor já deve estar a pensar que esta gata é um pequeno terror; tanto quer ser letrada, como está arreliada, como, em certos dias, está amuada pois não lhe deixam fazer o que ela quer! Pois bem, é assim mesmo o espírito aventureiro duma gata que não sabe estar parada e sossegada, exceto quando está cansada...    Naquela manhã, como sempre fazia, esticou as suas patas, alisou o pelo e deu uma patada num novelo. De seguida, foi sentar-se imponente, mas contente, junto à sua tigela amarela. Estava na hora da sua paparoca e todos sabiam que não se contentava com uma maçaroca, isso era comida de galinha! Passado um bom bocado, achou estranho que não aparecesse ninguém, nem a miúda, nem a mãe!       Ficou indignada pois ela já estava levantada e preparada, no entanto estava a ser completamente ignorada. Como era inteligente, e obviamente ...
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Mãe      O calor sentido daquele abraço deixavam-na esquecer as amarguras da vida. Na verdade, nunca pensara em ser mãe, achava mesmo que talvez não tivesse sido talhada para o papel. Quando alguém nasce, quem sabe o que o destino lhe reserva? Mas tudo aconteceu como devia.      Foi mãe pela primeira vez aos vinte e nove anos e, assim que pôs os olhos naquele pequeno ser rosado que lhe colocavam no peito, foi como se todo o universo fizesse sentido naquele rosto redondo. A ternura de o agarrar nos braços, o calor que sentia ao coloca-lo junto a si, a ansiedade de o ouvir chorar, da inexperiência, da necessidade de se afirmar, levaram-na a ter a certeza de que a sua vida tinha mudado.       Um sentido de proteção, de preocupação e de amor infinito fixaram-se dentro de si e a vida passou a ser dividida, a ser partilhada por aquele pequeno ser tão frágil.       A fragilidade tornou-se afirmação, conquista do mundo, de pe...