A pacatez daqueles dias, deixavam-na sonhar com o futuro. Quem sabe se alguma vez recuperaria o silêncio do rio, o riso das nuvens, os segredos que contavam os pássaros daquele jardim?
Desde bem cedo, Pietra tecera os seus sonhos qual aranha habilidosa e aventureira. Fora uma criança criativa, assim o afirmavam os seus professores, assim a viam os seus amigos.
Na sua cabeça repleta de sonhos, habitaram umas criaturas imaginárias, que se tornaram suas amigas em segredo. Deu-lhes corpo, deu-lhes cor, mas, acima de tudo, deu-lhes emoções. Falavam em surdina, partilhavam desejos, construíam planos. Será que os outros a diriam louca se soubessem? Talvez..., talvez não chegassem a entender como aqueles momentos de pura introspecção, do outro eu, a ajudavam a crescer, a fazer face aos seus medos, às suas angústias e a ajudavam a planear os próximos passos. Talvez tenham sido esses os alicerces de uma personalidade que sempre procurou o próximo desafio, a próxima aventura... Foi assim que cresceu.
Passaram-se os anos; seguira para a universidade e embrenhara-se em novas conquistas. Sabia perfeitamente dos sacrifícios dos pais para que pudesse alcançar os seus sonhos, das críticas alheias, do estigma, tudo a fez centrar-se ainda mais nos seus objetivos.
Nesta fase, já não existiam os seus amigos imaginários, embora nunca se tenha realmente esquecido deles e ainda os recordasse com saudade. Talvez fossem apenas um subterfúgio da infância, uma forma de poder crescer no seu mundo, qual Alice no País das Maravilhas. Naquele momento, fazia teatro, fingia ser quem não era, mas fazia-o com entusiasmo, com a convicção de quem vive uma vida alheia. Gostava dos ensaios, dos enganos, dos improvisos, da liberdade de pensamentos que lhe permitiam; fez teatro até concluir a sua formação e começar a talhar o seu caminho profissional.
Veio a perceber que se deram tantos passos e, na verdade, não existiam verdadeiras preocupações; mais tarde, bem mais tarde, viria a perceber essa dura realidade, a crueldade de quem lhe era mais próximo, a frieza, a desumanidade. Por enquanto, a ingenuidade e a pureza com que sempre encarara a vida, levavam-na a perscrutar caminhos novos, a conhecer pessoas, a construir relações de trabalho e a descobrir o amor. Nunca se sentira assim, entendia que estava a crescer, a conquistar o seu lugar no mundo, a criar o seu espaço.
Gostava do que fazia, mas o seu espírito de conquistas levavam-na a querer experimentar outros voos. Por vezes, achava que teria sido um explorador, um conquistador noutra vida, alguém que resiste à monotonia do quotidiano, alguém que sonha continuamente. Era assim que Pietra via a vida, como algo que deve ser conquistado, como algo que perde todo o interesse se não apresentar um desafio, um mistério, uma novidade. Era nova, era sonhadora e era crente na boa fé dos outros. Esse ímpeto levou-a a novas conquistas que, aos poucos, lhe foram dando a conhecer outros mundos.
Estava a enveredar por novos caminhos de realização profissional, era feliz no amor, sentia que construía um lar, pelo que, naturalmente, se seguiram dois filhos. Duas crianças lindas que a elevaram para outro nível, que lhe deram a conhecer realmente os laços de união entre seres humanos. Era estranha aquela força que os ligava, intransmissível, invisivelmente forte. Amava a sua vida, os que a rodeavam, os seus desafios, as suas conquistas...mas, nem tudo é para sempre. Os sonhos, depressa, criam asas, levantam voo e se desvanecem no ar.
No primeiro dia do ano, sentada num banco de jardim, ninguém a seu lado, apenas a memória de tempos idos, apenas a dor de um coração destroçado, o abandono daqueles em quem confiou, sobretudo, a descrença do amor.
Olhava em seu redor e todos aqueles rostos incógnitos lhe contavam uma história: a senhora que vendia alfaces na mercearia, o casal que viera visitar os seus familiares, o petiz que se escondia dos avós, o rapaz que procurava pela namorada, as miúdas que se fotografavam a cada dez segundos, enfim...tantos e tantos rostos marcados pela emoção do momento e, de repente, um lhe chamou a atenção. Olhou-o nos olhos e reconheceu a mesma solidão que se acercara de si. O rosto passou, Pietra ficou pensativa mais um pouco naquele banco de jardim até que, de um impulso, levantou-se, apressou o passo e procurou-o um pouco mais ao fundo, já não o via, apressou-se ainda mais, mas já não o encontrou.
Não se deu por vencida e regressou àquele banco de jardim dia após dia, durante algumas semanas; depois, foi espaçando as visitas, foi adiando as caminhadas, talvez já não o voltasse a ver, talvez tudo tivesse sido uma ilusão.
Muito embora, a Pietra sonhadora doutros tempos estivesse ferida, cansada, magoada pelo egoísmo de quem amou, encontraria forças, um dia, para se reerguer qual fénix. Afinal, desistir nunca poderia ser uma opção por mais difícil que o caminho se tornasse. Aquela pessoa impulsiva, ingénua e inconformada com o marasmo da vida, viveria novamente um amor, sonhos e desafios. Quem sabe, voltaria a ser feliz...
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