Isabel
O rosto sereno da Isabel deixava transparecer a calma com que encarava, naquele momento, tudo na sua vida.
Dedicada ao que fazia, ensinar, todos os dias agradecia por mais uma oportunidade de poder saborear a vida. Quando, por vezes, pensava em todos os infortúnios, todas as batalhas vividas, achava que tudo valia a pena: observar uma nuvem, sentir o cheiro de uma flor, escutar o chilrear de um pássaro...todas aquelas coisas pequenas de que ninguém se apercebe na correria do quotidiano.
Fora uma jovem ambiciosa, como a maioria dos jovens da sua geração. Trabalhadora e incansável, sabia (ou, pelo menos, assim pensava) o que queria alcançar. Dentro de si criava os seus limites, as suas metas e procurava atingi-las. Sonhava com conquistas, não se deixava ficar inerte, ainda que as portas se fechassem, fazia questão de bater nelas, de dizer ao mundo: “Estou aqui!” E, assim foi durante muito tempo. Assim tinha que ser.
No seu mais sincero âmago não vislumbrava a vida sem esforço, sem trabalho, sem empenho e não aceitava conformar-se com a simples desculpa de “não sou capaz”. Onde há vontade, há capacidade! Foi assim que Isabel se aventurou por tantos caminhos.
Primeiro formou-se em ensino. Sempre achou que os jovens são demasiado imaturos para decidir, numa idade tão precoce, que rumo querem dar às suas vidas, mas, por motivos de força maior, as suas opções restringiram-se de tal modo que tornar-se professora foi a forma que encontrou de poder unir algo que gostava à necessidade de ter uma profissão.
Descobriu artes, descobriu teorias e pedagogias e abraçou a profissão. Nunca se arrependeu dessa decisão pois viria a perceber, ao longo dos anos, a diferença que fez na vida de alguns jovens; o quanto os marcou, o quanto de si deixou neles e eles em si.
Ensinar não é apenas transmitir, é também aprender continuamente algo, descobrir o mundo e a forma como este evolui.
Enchia-lhe o coração ser reconhecida por rostos que, entretanto, tinham crescido, por vozes que tinham engrossado; chegava-lhe aquela pequena lágrima ao canto do olho, de cada vez que era envolvida num abraço sentido, de cada vez que sabia ter conseguido orientar a vida de quem já se dizia perdido. Afinal, escolhera bem a sua profissão! Mas, esta nunca lhe bastou, a sua ambição de criar, de deixar a sua marca, ia para além dos seus alunos. Precisava de projetos que lhe dessem vida, que lhe permitissem conhecer outras facetas de si própria, dos outros, da própria vida. E conseguiu-o até ao dia em que a noite mais escura se abateu sobre si.
Afinal, o que é a vida se não uma montanha russa? A sua subida fora longa e repleta de emoções, mas, agora, descia, agora, confrontava-se com a velhice de quem amava, com a doença (aquela que achamos que não nos afeta a nós) e as prioridades eram repensadas. Tudo era revisto. Agora, nada se podia deixar ao acaso.
Vivera a infância dos filhos e preparava-se para os ver voar, para os deixar seguir o seu caminho, aquele que também ela trilhou um dia.
Vivia os momentos intensamente, olhava os raios de sol que entravam pela janela, sentia o aconchego do edredão na cama, a frescura do vento que a envolvia no caminho e sabia que também ela, um dia, voltaria a partir; voltaria a trilhar um novo caminho.
As circunstâncias iam-se alterando devagarinho e, como veio a perceber, a vida não nos dá certezas de nada, dá-nos apenas um conforto momentâneo. Sabia que teria que recuperar a coragem que tivera outrora e voltar a reavivar a sua audácia, a sua persistência e a sua vontade de viver.

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