PAI

    - Avô, jogas comigo ao Bingo?
    Seguia-se um momento de pausa, um murmurar de palavras que não se entendiam e o avô levantava-se da cadeira, onde encontrara uns momentos de descanso. Caminhava lentamente, apoiado na sua velha bengala, em direção à sala onde estava a sua neta. Com um sorriso nos lábios miúdos, olhava ternamente para a pequena e sentava-se defronte dela. Sofia já preparara os cartões, colocara as pequenas peças, que o avô agarraria com os seus dedos grossos, e estava pronta a fazer rodar as bolas na tômbola de plástico.  
    - Número 17...
    Seguia-se um silêncio. 
    A Sofia percebia que o avô não a ouvira. Falava mais alto e os olhos azuis do velho senhor procuravam no seu cartão o dito número. Calmamente repetia-se todo o processo até que um deles se regozijava com a palavra “bingo”.  
    Assim se passava uma boa parte da tarde do avô e da sua neta, Sofia. A pequena ia falando, palrando ao som das bolas que saltavam fora da tômbola, o avô tentava concentrar-se e sorrir para a petiz que exultava de alegria por tê-lo ali. 

    O avô fora pai há muitos anos atrás. A vida presenteara-o com duas filhas e, consequentemente, com três netos. Fora um homem de trabalho, de preocupações, amigo do seu amigo e correto nas suas atitudes.   
    A vida não fora fácil num Portugal rural em que a maioria das pessoas fazia pouco mais do que a alfabetização básica, pelo que, desde cedo, se adivinhava uma vida de trabalho. Trabalho árduo! Serviço militar obrigatório! Imigração! 
    A vida fora feita de etapas, de batalhas, de conquistas. Pelo meio, amarguras, desgostos, sorrisos, alegrias imensas por vencer o medo, o preconceito e por fazer vingar o que de mais honesto nos compõe o espírito. Assim, fora a vida do meu pai, agora avô. Ainda que a ausência de um pai, desde muito cedo, o pudesse ter vencido, o facto é que esteve nos momentos certos, agiu com as medidas certas, soube acarinhar e educar.  

    Agora, aqueles olhos azuis repousavam serenamente no rosto da sua neta, as mãos calejadas procuravam agarrar com firmeza as peças do bingo que pareciam diminuir cada vez mais, aqueles cabelos grisalhos escondiam-se por baixo do seu boné que nunca o abandonava.   
    Agora, a tranquilidade daqueles momentos sobrepunha-se à correria do quotidiano. 
    Agora, aquilo que aprendi com ele “não deixes para amanhã, o que podes fazer hoje” já não fazia eco naqueles instantes que soubera conquistar ao longo da vida. 
    Agora era apenas a altura de continuar a ser o pai que sempre fora e o avô que aprendera a ser. 




 

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