A árvore do vento
Por debaixo daquela árvore corriam histórias levadas pelo vento. O vento que nos leva até onde ainda não sonhámos ainda ir.
O pequeno Joel saía, todos os dias, bem cedo, para pastar as suas vacas magras. Já não havia escola para ele. Já não havia jogo de bola na rua. Havia que ajudar a família. Havia que trabalhar. Pois é, nem todas as crianças permanecem na escola. Algumas precisam de crescer mais rapidamente por esse mundo fora, precisam de aprender as durezas da vida e enfrentá-las como se fossem adultos. Não significa que o Joel não fosse feliz. Conhecia as suas vacas e elas conheciam-no.
Todos os dias percorriam quilómetros em busca de algum pasto, o que não era tarefa fácil naquela ilha árida e meio desértica, mas, com um pouco de sorte e sabedoria, lá conseguiam encontrar algo que pudesse satisfazer os animais. A sabedoria não era aquela que Joel tinha aprendido na escola, ganhara-a atravessando planícies, subindo aos montes, olhando o horizonte.
Naquele dia, resolvera ir noutra direção. As vacas, que tão bem o conheciam, seguiam-no como se fossem cachorrinhos. Levava consigo a sua magra merenda, a sua boina esburacada, um livro, que trazia sempre consigo, e a sua alegria habitual. Era assim o Joel e todos o conheciam nas redondezas.
Desde cedo, o calor fazia-se sentir naquela ilha, mas o vento também! O vento soprava quente, enrolava as ervas secas e fazia-as viajar; levantava o pó e criava pequenos redemoinhos que divertiam as crianças.
Joel saíra cedo e já andara uns bons quilómetros. Tinha feito algumas paragens, aqui e ali, quando as suas vacas encontravam uns tufos que lhes pareciam apetitosos. Um pouco mais ao longe, Joel viu uma árvore. Assobiou às suas vacas e dirigiu-se para lá. Elas identificavam o chamamento e seguiam-no.
Quando se aproximou, achou a árvore extremamente curiosa, curvada pela passagem do tempo e do vento, aquela árvore tinha algo de especial. Resolveu sentar-se à sua sombra para poder degustar do seu almoço; como, habitualmente, puxou do seu pão com manteiga e entre dentadas, bebia uns goles daquela água açucarada que a sua mãe religiosamente lhe preparava para que o seu menino grande não deixasse de ser a sua criança alegre e pateta. Joel não apreciava muito aquele género de sumo, mas sabia do cuidado com que a sua mãe o fazia, pelo que, ao lembrar-se de tal, passava a saber-lhe doutra forma. Tinha de guardar sempre um pouquinho para dar à sua vaquinha mais nova que, ao ver o cantil de Joel, se aproximava sorrateiramente e olhava fixamente para o menino.
Naquele dia, debaixo daquela árvore que protegia o Joel do sol, do vento e da poeira da vida, ele sonhou em ser piloto de aviões, sonhou em ser marinheiro em alto mar, quem sabe, talvez, pescador; sonhou, ainda, em sair da ilha e viajar pelo mundo. Na escola aprendera acerca de tantos outros países e, muito frequentemente, via turistas que vinham de outros lugares, sítios que povoavam a sua imaginação e os seus sonhos.
Depois, quando se acabaram os sonhos e a sua sandes, abriu a sua sacola e tirou de lá o seu livro. Uma turista dera-lhe aquele livro que levava consigo para todo o lado e que lia devagarinho para não se acabar a história, assim, leu uma página e ficou a imaginar como continuaria. Gostava de viajar nas palavras.
Não se deteve muito mais tempo debaixo daquela árvore, as suas vacas não ficavam muito tempo no mesmo lugar e, daí a pouco, teria de iniciar a viagem de regresso, mas, levou na sua memória a imagem da árvore do vento (assim a chamou e assim a haveria de recordar).
No entanto, não haveria de lá voltar por muito, muito tempo.
Sabem quando a vida nos troca as voltas e, de um momento para o outro, já nada será como dantes?
Pois bem, quando Joel regressou a casa, já a sua vida tinha mudado. A família estava mais pobre, a mãe desesperada, os seus irmãos abraçados, a vizinhança compadecida, e tudo mudou.
As suas vacas foram vendidas, a casa foi fechada, os seus poucos pertences colocados numa mala e a viagem teve início até ao outro lado da ilha, até à casa da sua avó materna, por onde havia de permanecer durante muito tempo.
Os anos passaram-se, Joel cresceu e constitui a sua família. Humilde e trabalhador, vingou na vida. Comprou o seu carro usado e quis levar a sua família ao seu local especial, quis levá-los à árvore do vento. Conhecera-a no dia em que a sua vida mudara, em que o seu destino ficou marcado, mas, ainda assim, sentia que fazia parte de si, pelo que queria apresentá-la à sua família.
Joel nunca mais voltara àquele lado da ilha, onde a pobreza reinava, mas a alegria contagiava os corações.
Vislumbrou a casa que o viu nascer, ainda cumprimentou alguns velhos vizinhos que mal o reconheciam, agora homem feito! Recordou as sua vacas magras e fez questão de mostrar à sua família como tinha vivido aqueles anos da sua infância.
A paisagem não mudara assim tanto. Talvez uma casa aqui e outra acolá, mas tudo se mantinha reconhecível aos seus olhos. Guiava devagarinho, para que todos pudessem observar e sentir aquele lugar. E foi, devagarinho, que começou a vislumbrar a árvore do vento. Lá continuava ela, no mesmo sítio, vergada, mas resistente. No abraço da sua sombra, lancharam como Joel fizera há muitos anos atrás, sentou o seu filho no colo, tirou o seu livro da sacola e leu-o calmamente à mesma criança curiosa que ele fora.
Joel não lamentava o passado, não lamentava a vida que levava. Todas as peças do passado fizeram dele a pessoa que era e aquela era mais uma peça que se encaixava com sentido.
Dali por diante, todos os anos a família fazia o seu piquenique à sombra da árvore do vento, até que Joel deixou de os acompanhar, mas, ainda assim, alguém continuou a tradição e aquela passou a ser conhecida como a árvore do Joel.

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