Há tantas formas de amor!

    Mariana olhava, com uma doçura desmesurada, para o horizonte que se encaixava naqueles montes verdejantes; por entre eles serpenteava um curso de água que sempre ali tinha estado, que sempre por ali tinha corrido levando consigo dias bons e dias menos bons. Enquanto isso, revia a sua vida, as suas escolhas e o seu peito apertava-se com a incerteza do futuro.  

    Nascera ali, no seio de uma família modesta e trabalhadora. O seu pai, pessoa de forte caráter, ensinou-lhe o valor e o respeito pelo trabalho; da sua mãe herdara o desejo de sonhar e a vontade de, através da dedicação e da persistência, alcançar os seus próprios patamares. 
    A sua infância foi passada entre a escola, os montes, os animais e as suas tarefas diárias. Crescera de forma responsável; semanalmente, eram-lhe atribuídos diversos pequenos afazeres, aos quais Mariana nunca se escusara e que desempenhava com satisfação. Na escola gostava de questionar tudo o que a fazia pensar, tanto assim que, de vez em quando, percebia o cansaço e a exasperação na cara da sua professora que, no entanto, tentava de todos os modos saciar-lhe a curiosidade pois a menina queria, de facto, saber!  
    Quando chegou o dia de Mariana voar dali até outra cidade, caíram lágrimas, apertaram-se todos num abraço sentido e combinaram-se regressos mensais. Mariana tremia de saudades e de expetativa, mas um sentimento de coragem enchia-lhe as medidas e foi, com essa determinação, que a menina, que era agora uma rapariga, iniciou um novo percurso para continuar os seus estudos. A sua personalidade forte e os seus objetivos bem definidos faziam com que soubesse bem o que queria ser, o que queria fazer e, sobretudo, como orientar-se para lá chegar. Os pais, esses sabiam a filha que tinham educado.  
    Obviamente, Mariana nunca mais pensou em regressar à sua aldeia, exceto para visitas breves, para estadias em alturas de festas ou para passar a sua quinzena de férias e recarregar baterias naqueles verdes montes.

    Foi no início da nova etapa da sua vida que a Mariana, mulher formada, dona de uma energia imensa,  encontrou a sua alma gémea, o amor da sua vida.   
    Foram uns tempos doces de namoro; foram uns tempos em que Mariana e Gabriel descobriram a simbiose perfeita das suas almas e depressa perceberam que a vida fazia sentido a dois. Assim, fizeram planos: arranjaram o seu ninho de amor e passaram a partilhar as refeições, as preocupações, as alegrias e as tristezas. Consolavam-se nos braços um do outro e riam-se em uníssono, planeavam as suas viagens, o seu desejo de conhecer o mundo era imenso, e aceitavam os defeitos um do outro. Mariana gostava da organização, aprendera, desde cedo, a valorizar a responsabilidade; por outro lado, Gabriel era um livre pensador, muito descontraído, de bem com a vida. Entre a personalidade de um e do outro, acabavam sempre por encontrar o caminho que lhes permitia serem felizes a todos os minutos, a todas as horas, em todos os instantes. Tanto assim, que o seu amor haveria de, brevemente, dar-lhes um fruto especial, um bem gorduchinho e rechonchudo, o Manuel. 
    A alegria dividiu-se pelos quatro cantos da casa. 
    Mariana sentiu-se novamente abraçada pelo amor, mas, desta vez, por um sentimento diferente, algo que lhe tocava levemente a alma, lhe acelerava o coração e a deixava em êxtase. Sentira, em toda a sua vida, verdadeiros sentimentos de afeição tão diferentes e, ainda assim, tão verdadeiros, mas aquele era realmente único, inexplicável. 
    A cumplicidade da pequena família era inegável. Nem Mariana, nem Gabriel abdicavam dos momentos que juntos construíam, das vivências de serem pais, nem dos desafios das suas profissões. No fundo, cresciam juntos e educavam o seu filho. 
    Manuel fazia as suas gracinhas, como qualquer criança, balbuciava as suas primeiras palavras, engendrava as suas birras, dava as suas primeiras corridas entre tropeços e trambolhões e deliciava os seus pais com os seus caracóis loiros que baloiçavam cada vez que o menino se mexia. 

    Os anos foram passando e, a certa altura, Gabriel teria de se ausentar, mais uma vez, em trabalho. Esses períodos eram sempre difíceis para todos. Particularmente, nesses momentos, Mariana abraçava o seu jovem Manuel e nos seus olhos revia os de Gabriel. Como eram parecidos...
    Contudo, como se viria a perceber, esta não seria uma ausência como as outras. Habitualmente, Gabriel saia e regressava passadas umas semanas, mas, desta vez, em certo momento, o coração de Mariana apertou-se e foi como se soubesse que algo se passava. As comunicações deixaram de existir, as questões que colocou não obtiveram resposta e, de repente, deixou de saber do seu Gabriel. De repente, ninguém lhe dava informações válidas, nada fazia sentido, o mundo parecia que devagarinho deixava de rodar. 
Foram tempos de angústia, de dor, de desespero – a dor de nada saber!

    Manuel tornou-se a cada dia, cada vez mais, o seu pilar, a âncora que a prendia à vida enquanto o tempo a torturava e passava rapidamente. Não conseguia entender, ou talvez assimilar, o que acontecera, o que faria dali para a frente. Os amigos abraçaram Mariana e Manuel, deram-lhes apoio, ânimo para enfrentar o desconhecido, rodearam-nos de amor.

    Manuel cresceu junto da sua mãe. Esta sobreviveu à tormenta e, com orgulho, olhava para o seu filho, para aquilo que de melhor já fizera na vida. Não voltou a encontrar outro amor; não o procurou. O amor do seu filho e dos seus verdadeiros amigos deram-lhe alento para continuar, mas, agora que Manuel seguia o seu caminho, como também ela fizera um dia, Mariana resolveu voltar às origens, às suas origens, à pacatez de uma aldeia que ainda sobrevivia ao êxodo rural. 
    Foi assim que chegou ali, foi assim que ali ficou a olhar para o horizonte que se encaixava naqueles montes verdejantes e foi assim que se sentiu, novamente, em paz.



 

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