Teresinha
Nos olhos daquelas crianças surgia um brilho especial sempre que se ouvia a voz da professora: “Meninos, está na hora do nosso conto!”
Viviam-se tempos difíceis na vila desde que a fábrica fechara, ao fim de vinte anos de empenho todos os trabalhadores tinham sido dispensados. Alguns sentiam-se ainda esperançosos num recomeço, na procura de um futuro noutra vila, noutra cidade ou noutro país, mas para os pais da Teresinha era difícil.
João e Maria estavam já nos seus cinquenta anos, os seus dois filhos mais velhos já tinham encontrado o seu rumo: Artur tinha emigrado para a Suíça, conhecera lá uma rapariga e resolvera casar-se; Joaquim ficara-se pela cidade mais próxima, começara como ajudante num armazém de revenda de materiais e, agora, já era chefe de uma secção. Tinham muito orgulho nos seus filhos; estes cresceram educados e trabalhadores.
Sempre que podia, Artur visitava a família, nas férias de verão e, por vezes, no Natal; Joaquim, um ano mais novo do que o irmão, ainda morava com os pais, mas, provavelmente, por pouco tempo: namorava já há dois anos, pelo que, logo, organizaria o seu ninho e começaria a sua família.
Fora uma surpresa, quando Maria percebeu, há uns anos, que estava novamente grávida. Tanto ela como o João sempre tinham desejado serem pais de uma menina, mas os anos foram passando...quando, por fim, lhes bateu a menina à porta já não a esperavam. Acharam que já não teriam energia para mais uma criança, agora que os filhos estavam praticamente criados, no entanto com o passar do tempo acarinharam de tal forma a ideia que começaram a vibrar novamente. E tinham razões para isso!
Teresinha, agora no 3ºano, era um doce de menina, inteligente, de olhar bondoso, era o tesourinho dos seus pais e dos seus irmãos! Adorava ir para a escola, aprender tudo o que a professora lhe ensinava e gostava imenso de desenhar. Enquanto os seus colegas brincavam às escondidas, saltavam à corda ou jogavam à bola; Teresinha pedia uma folha de papel branco à professora, levava a sua bolsa para o recreio e arranjava um cantinho onde pudesse estar sossegada a fazer os seus desenhos. Por vezes, um ou outro colega, que se zangavam com a injustiça do jogo, vinham fazer-lhe companhia mas apenas para poderem carpir as suas mágoas e acalmar os ânimos; ela levantava a cabeça, sorria e ia concordando com um simples “pois” ou, então, “claro”. Na realidade, a sua concentração estava no seu desenho, na forma das suas linhas, no esbater das suas cores, naquilo que a fazia realmente feliz. Sonhava com as suas personagens, na sua cabeça dava-lhes vida, um nome, um animal de estimação e, por vezes, uma profissão. Obviamente, não passava o tempo todo no seu cantinho, havia alturas em que partilhava o burburinho dos seus amigos e se deixava envolver nas brincadeiras, principalmente, se estivessem em causa berlindes e elásticos.
Certo dia, Teresinha resolveu começar a desenhar rostos pelo que começou a observar com muita atenção as linhas que teciam a cara de cada um: o feitio das sobrancelhas, o contorno dos olhos e da boca, a saliência do nariz, as maçãs do rosto, a forma do pescoço e toda a envolvência do cabelo. Alguns sentiam-se incomodados pelo olhar atento da Teresinha, outros achavam que deviam ter a cara suja e havia até quem achasse que aquela observação tinha segundas intenções, enfim...o que é certo é que a menina achou que devia estudar exaustivamente os rostos antes de os começar a desenhar.
As suas primeiras tentativas não saíram como ela gostaria, ou porque os olhos estavam mais acima ou mais abaixo, ou porque o rosto não estava bem definido, ou porque a boca estava torta...pois...Teresinha percebeu que não seria fácil passar dos seus desenhos coloridos, das suas personagens feitas de retalhos de cor e alegria para a definição de um rosto, mas não desistiu. Quando, finalmente, começou a ficar satisfeita com os traços dos olhos, do rosto, do nariz, do cabelo e até das orelhas sentia que havia qualquer coisa que ainda faltava: era o sorriso! Outra dificuldade surgia: como dar um sorriso genuíno aos seus rostos? Quão difícil era desenhar um sorriso?
Pensou que teria de observar novamente as pessoas à sua volta para poder captar sorrisos; assim, nessa noite, em casa, olhou fixamente para os seus pais, mas não viu nenhum sorriso. O desemprego, a preocupação com o futuro, principalmente o da Teresinha, fazia com que os pais andassem mais cabisbaixos e os sorrisos teimavam em não aparecer. Teresinha sentiu-se também triste, mas compreendeu; no entanto, empenhada que estava na sua descoberta de sorrisos, certamente haveria de encontrar alguns na escola no dia seguinte.
A manhã amanheceu cinzenta e fria, a professora, que vinha de longe, não gostava do frio, pelo que naquele dia não lhes sorriu; espalhou a sua simpatia, como de costume, mas não esboçou um sorriso...bem, restavam-lhe os colegas! Com toda a certeza, na hora da brincadeira, estariam felizes e sorridentes, mas enganou-se! Envolveram-se de tal forma no jogo que, a dada altura, gerou-se o rebuliço, levantaram-se as vozes, ouviram-se choros e já ninguém se entendia. Que desespero, será que todos os dias aconteciam aquelas situações e a Teresinha nunca dera por elas?
Ficou seriamente preocupada e mais ainda quando no caminho da escola para casa não conseguiu vislumbrar um único sorriso nos rostos das pessoas com quem se ia cruzando!
Naquela tarde, resolveu visitar a sua avó; por vezes confidenciava-lhe as suas histórias, apesar da surdez e da idade avançada, pelo que era sempre um consolo vê-la.
Foi encontra-la sentada no seu sofá, rodeada pelos seus gatos.
- Avó! – sussurrou a Teresinha ao seu ouvido para não a assustar...
Nesse momento, olhou o rosto da sua avó que se iluminou com um sorriso rasgado e caloroso.
- Avó, não te mexas! – exclamou a pequena – Deixa-te estar!
Nisto, puxa do seu bloco de desenhos, que o seu irmão Artur lhe trouxera da Suíça e que andava sempre consigo, e desenhou o sorriso da sua avó. Ficou a olhá-lo longamente até se decidir a repeti-lo e repetiu uma e outra vez, tantas vezes que começou a ficar sem folhas, mas sorria pois sabia muito bem o que iria fazer com todos aqueles sorrisos.
Nessa tarde, ao voltar para casa, começou a distribuir os seus sorrisos: ao Sr. Manuel do café, à Sra. Otília da frutaria, ao Sr. José que se sentava sempre no mesmo banco de jardim com o seu cãozinho ao lado e, à noite, aos seus pais.
No dia seguinte, deu um sorriso à sua professora e um a cada um dos seus colegas. Ela sabia que era apenas um pequeno gesto, que não conseguia fixar para sempre esses sorrisos nos rostos das pessoas mas, por instantes, conseguiu que todos soubessem como era bom sorrir!

Comentários