Esperança




    Esperança era uma miúda espevitada; embora, a toda a hora, lhe dissessem "tem cuidado", "não faças isso, podes magoar-te...". Esperança era destemida, aventureira e rebelde!

    Talvez fosse o facto de não terem conseguido, durante anos, terem o filho tão desejado, que os tivesse tornado tão temerosos da sua menina, de tal forma que os pais de Esperança não pregavam olho, nem acalmavam o coração, sempre que Esperança saía alegre para a escola, para um simples passeio com o seu cão preto ou para encontrar os seus amigos junto à fonte da aldeia...

    A sua curta história de vida era já tão repleta de aventuras!!!

    Tudo começara quando o casal Caetano não conseguia ter o tão desejado filho...após anos de esperanças em vão, após tratamentos e consultas em tão variados médicos, João e Joana tinham perdido a ideia de ouvirem um riso de criança na sua casa, de se absorverem de preocupações porque a criança tinha febre, porque não comia, porque não os deixava dormir, porque, enfim, seria uma criança como todas as outras de que ouviam os seus familiares e amigos falarem. Resignaram-se a serem apenas os tios queridos de três sobrinhos malandros que, em abono da verdade, beneficiavam do facto de não haver nenhuma criança naquela casa. Assimilaram a tristeza nos seus corações e não a deixavam transparecer para que as pessoas não os questionassem, não lhes dessem uma palmadinha nas costas e lhes abrissem ainda mais a ferida que nunca iria sarar. 

    Os anos foram passando, o casal continuava unido, na afeição, no trabalho e na partilha das pequenas alegrias da vida que encontravam na sua agricultura, nos seus animais e nas pequenas festas da aldeia. A vida era pacata e serena. Tinham um cão preto que os acompanhava para todo o lado e dois gatos molengões que optavam por procurar os raios de sol no quintal e por ali ficar o dia todo, entre uma soneca e uma brincadeira de gato e rato.  

    Certo dia, Joana amanheceu indisposta; não ligou muita importância pois, no dia anterior, tinha confecionado uma bela feijoada (um dos pratos preferidos do seu João) pelo que a indisposição viria daí, pensou ela. 

    Os dias foram passando e as indisposições deram lugar aos vómitos. João, embora fosse um homem de poucas palavras, estava sempre atento à esposa e ficou preocupado...conhecia a sua Joana e sabia que era uma mulher forte, que raramente se queixava, pelo que vê-la assim o deixou de coração apertado. A sua preocupação convenceu-a a irem ao médico e a uma série de exames para despistar eventuais doenças. João não podia descurar a sua companheira de vida, assim, acompanhou Joana em todos os momentos, inclusive à consulta médica que acabaria por lhes mudar a vida: a doença de Joana era afinal uma gravidez! Uma gravidez de risco pois Joana já tinha 42 anos mas, ainda assim, uma esperança de vida. Não couberam em si de contentes! Nem sabiam o que fazer, nem o que dizer mas seguiram, à risca, todos os conselhos do médico. 

    Durante meses, Joana apenas repousou, quase não se mexeu para que aquela pequena luz pudesse florescer. João desdobrava-se em cuidados com a esposa e cuidava de tudo o resto. Andava cansado mas feliz. Os gatos passaram a fazer companhia a Joana, ronronavam junto da sua barriguinha que ia crescendo, como que a adivinhar que ali estava um novo ser. O cão preto deitava-se no tapete junto à cama de Joana e olhava enternecido para a sua dona. Naquela casa, todos viveram em perfeita harmonia até ao nascimento da criança. 

    Os pais não quiseram saber se teriam um menino ou uma menina; acharam que quando nascesse saberiam exatamente que nome lhe dar. Assim foi. Quando a menina nasceu, João surgiu junto de Joana com a menina nos seus braços, olhou nos olhos azuis cristalinos da sua Joana e disse-lhe: “A nossa menina vai chamar-se Esperança!”. Naquele momento, concordaram os dois que aquela menina foi fruto da vontade que sempre habitou nos seus corações de, um dia, poderem ser pais pelo que não havia nome mais adequado.

    Toda a família veio visitar a Esperança e os pais, traziam votos de felicidade e desejo de uma vida longa. Os habitantes da aldeia brindavam à menina e havia até quem dissesse “É um milagre!” 

    No dia do batizado de Esperança, a igreja estava cheia; o pároco da aldeia rejubilou com tamanha multidão e pediu a todos que olhassem pela menina, a mais jovem habitante da paróquia. 

    Os pais amavam Esperança de uma forma que não julgavam existir mas, desde cedo, perceberam que a sua filha era determinada: quando eles queriam dormir, ela queria brincar; quando queriam que ela comesse, ela queria dormir; quando tentavam dar-lhe banho, berrava a plenos pulmões. Era uma miúda vivaça, cheia de energia, tanto assim foi que quando foi para a escola primária resolveu que preferia jogar futebol a brincar com bonecas, que preferia fazer contas de cabeça ao invés de usar calculadora, que preferia desenhar rostos ao invés de paisagens. 

    A menina criava as suas aventuras, os seus gatos ora eram piratas rebeldes, ora eram justiceiros de arco e flecha e o seu fiel companheiro, o velhinho cão preto, bem, esse era sempre o seu melhor amigo, aquele que nunca nos abandona na tempestade da vida. 

    Os pais olhavam para Esperança com amor e carinho; a menina amava-os profundamente por lhe terem dado vida e amor, por lhe terem dado educação e por lhe darem asas para que pudesse voar. E ela voaria nas asas da esperança que ela própria criara ao nascer, ao trazer luz e alegria àquele casal velho e cansado, àquela casa pequenina no meio da aldeia, àqueles habitantes que sorriam quando a viam passar alegre e bem disposta. Esperança trouxera uma aura diferente a todos quanto a rodeavam: a possibilidade de se alcançar o que tanto se deseja na vida! Ela era a prova viva desse desejo. 


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