Alberto
Alberto era um rapaz alegre e cheio de energia. Em miúdo, era um regalo vê-lo correr pelos campos de oliveiras e saltitar atrás do seu cão, Farrusco. Depois, teve de se mudar para a cidade, os seus pais arranjaram emprego numa fábrica e Alberto devia prosseguir os seus estudos...Todos na aldeia deram pela falta do seu assobio contagiante mas o que ninguém imaginava era o que estava para acontecer...
Já se tinham passado 18 anos desde que a família Marques se mudara, a falta de trabalho e a necessidade de dar um futuro ao seu filho, levara os pais de Alberto a decidirem-se pela mudança. Muito lhes custou deixar o ar puro das serras, a pacatez de uma vida pautada pelo som da brisa e pelo cacarejar das galinhas que procuravam alimento em cada bicada que davam. Mas, um dia, a decisão não pôde mais ser adiada, tiveram de procurar emprego na cidade, empacotar a sua juventude e seguir rumo a um novo destino.
Instalaram-se numa casinha com dois quartos e uma pequena varanda. Os animais tiveram de ser deixados ao cuidado de familiares. Alberto ainda protestou relativamente ao Farrusco mas apenas conseguiu a promessa de visitas regulares e, talvez, no futuro, a possibilidade de o irem buscar para a sua casa. Teve de se contentar, embora, no fundo, imaginasse que aquela seria uma separação definitiva.
A escola nova não o animou muito, sabem... não é fácil ser o “miúdo novo”, aquele que todos olham de soslaio como se fosse um animal de jardim zoológico. Alberto era um miúdo perspicaz e sabia que aquela novidade iria passar, só tinha de aguentar mais uns dias e, quem sabe, arranjar um amigo. Tal faria toda a diferença e daria um certo entusiasmo a esta nova vida.
Se é certo que os pais se ajustaram ao novo emprego, à nova casa, à nova rotina, Alberto acabou por fazer o mesmo, embora quem o conhecesse soubesse que se tinha perdido parte daquele brilhozinho no olhar, parte daquele riso redobrado que lhe era tão característico. Alberto integrara-se, arranjara amigos, ajustara-se tão bem quanto possível à sua nova vida.
Os anos passavam e o rapaz crescia, em caráter, em personalidade e em sonhos. O que ninguém sabia era o que ele desejava secretamente, o que, um dia, sabia que iria concretizar. Sob o olhar orgulhoso dos seus pais, que continuavam a trabalhar afincadamente na fábrica, Alberto seguira para a universidade. Embora de origem muito humilde, a sua mente brilhante e o seu caráter puro levavam-no a alcançar os seus objetivos, a ser admirado pelos seus colegas, considerado pelos seus professores e desejado pelas raparigas que lhe piscavam o olho. Alberto ainda não se decidira neste campo, sorria educadamente, conversava e fazia as delícias de todos com o seu humor característico pois, lá no fundo, não deixara de ter o espírito daquele rapazinho que corria livre pelos campos das oliveiras.
Alberto formara-se em medicina. Que satisfação para a família! Agora, arranjaria emprego num dos melhores hospitais da cidade, diziam uns; montaria o seu próprio consultório, opinavam outros; o que é certo é que ninguém sabia realmente qual era o sonho de Alberto e não correspondia a nenhuma das ambições que lhe colocavam à frente.
Apesar de ainda jovem, era um adulto responsável, pensava Alberto pelo que os seus pais entenderiam melhor do que todos os outros, a escolha que lhe alimentava a alma. Assim, num dos habituais almoços de domingo, entre o creme de ervilhas e o pernil de porco assado no forno, Alberto comunicou aos pais os seus intentos: vou regressar à aldeia, serei médico lá! Os talheres pousaram-se silenciosamente no prato, os sorrisos desvaneceram-se e as palavras ficaram suspensas...
- Como? – quis saber a mãe.
Alberto agarrou-lhe a mão e disse-lhe que sempre fora o seu desejo: voltar às suas origens, recuperar o seu Farrusco e os seus campos de oliveiras. Embora a emoção se fosse aliando ao entusiasmo com que falava, Alberto estava também receoso de defraudar os seus pais. Quando terminou, a voz embargada, não pôde deixar de reparar no olhar distante do pai.
Não foi fácil acostumarem-se à ideia, mas a felicidade do filho, da sua pequena família, era o que os tinha movido toda a vida pelo que os pais apoiaram Alberto na sua decisão e até o acompanharam no seu regresso. Reabriram a velha casa da avó, fizeram pequenas obras, cuidaram para que nada lhe faltasse.
Tanto a família que ainda lhes restava na aldeia, como todas as pessoas que lá moravam ficaram muito entusiasmadas com o “Senhor Doutor”; traziam-lhe as habituais ofertas: uma broa, um queijo, uma dúzia de ovos, uma chouriça, enfim, uma vez até lhe trouxeram um coelho vivo dentro de um saco!
Alberto instalara-se, ajustara-se à rotina pacata da aldeia, arranjara um cão (a quem deu o nome de Farrusco!), e voltara a enamorar-se daquelas serras, daqueles campos de oliveira, daqueles regatos que corriam livremente. Embora as suas consultas se centrassem habitualmente nas mesmas queixas: a tensão arterial da Dona Maria, as indisposições intestinais do Senhor Manuel, as enxaquecas da Dona Clotilde, ...Alberto compreendera a solidão daqueles idosos, o conforto que lhes podia dar e o papel que todos desempenhavam na vida uns dos outros.
Mais tarde, acabaria por se casar, ter um filho que lhe fazia lembrar muito da sua infância e por se dedicar a ajudar quem quer que o procurasse. Era feliz assim...

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