O Lobo do Mar


    O velhinho Ti Manuel era um lobo do mar...

    “Um lobo do mar?” questionava-se o Jorge quando ouvia aquela expressão. Já tinha pesquisado por diversas vezes quer a palavra lobo, quer a palavra mar e continuava sem entender como podiam estar relacionadas, como podiam as pessoas afirmar que o seu avô era um lobo do mar!? Afinal não tinha uma cauda comprida, nem umas orelhas pontiagudas, nem o corpo coberto de pelo...tinha que tirar a limpo esta história com a professora de Ciências. Lá ia a professora torcer-lhe o nariz quando o visse, pela milésima vez, com o dedo no ar, mas, afinal, ele não tinha culpa de ser tão curioso e querer saber as coisas. Não era como muitos dos seus colegas, aqueles que só lhes interessavam as redes sociais, as coscuvilhices de um quotidiano pouco imaginativo. 

    Jorge estava orgulhosamente no quinto ano de escolaridade e queria aprender o máximo que conseguisse com os seus professores mas, sobretudo, com o seu avô pois apesar de ainda não ter entendido a lógica do lobo do mar, sabia muito bem que o seu avô era uma pessoa de muitas vidas e muitas aventuras. 

    - Jorge, não maces o teu avô com as tuas perguntas. – dizia-lhe a mãe.
    - Mas, mãe, eu acho que ele até gosta de me contar as suas aventuras – insistia eu.
    O meu avô piscava-me o olho e sorria... 

    Certa tarde, o meu avô ficou a tomar conta de mim ou vice-versa, nem sei bem...pois os pais tiveram de ir tratar de assuntos relacionados com a minha irmã à escola. Nem vos conto as peripécias da minha irmã mas para fazerem uma pequena ideia a minha mãe estava sempre a dizer: “Tu pões-me os cabelos brancos!” Não se preocupem, a minha irmã não pintava o cabelo de ninguém! Deveria fazer algumas traquinices, afinal só tinha cinco anos! Daquela vez, independentemente da traquinice que tivesse feito, tal valeu-me uma tarde com o meu avô!  

    Saímos os dois, em passo lento, pois o meu avô já andava devagar, e dirigimo-nos ao café da esquina. Era lá que o meu avô passava as tardes, a conversar com os seus amigos, a contar as suas aventuras e a bebericar uma chávena de chá.  

    - Ó ti Manuel, que história nos vai contar hoje? – perguntavam-lhe os rapazes mais novos que já se tinham acostumado a passar no café para partilharem as aventuras do “lobo do mar”. Outra vez esta expressão!...Tenho mesmo de saber do que se trata...

    - Bem, hoje, tenho um ouvinte muito especial...o meu neto, o Jorge! Por isso, vou contar-vos daquela vez em que nos cruzámos com uma baleia branca!

    Ouviram-se sons de espanto, murmúrios de admiração mas ninguém arredou pé; todos queriam saber o que tinha acontecido! 
    - Não pode ser... – diziam uns. 
    - Como é que aconteceu? – questionavam os outros.
    - Ora – começou calmamente o Ti Manuel, entre dois golos de chá – foi numa tarde de nevoeiro. Regressávamos para casa com o barco carregado de peixe quando, de repente, vimos um vulto a dirigir-se na nossa direção. 

    Os ouvintes do Ti Manuel entreolharam-se, pousaram os copos e garrafas, e até se mandaram calar uns aos outros...  

    - Não houve tempo para medo, nem para pensar em fazer o que quer que fosse...abriu-se o nevoeiro e surgiu uma grande baleia branca. Ficámos a olhar para ela e ela mirou-nos. Num segundo, mergulhou e passou por baixo do barco, fazendo-o baloiçar bruscamente. Nessa altura, gritámos, alguns homens correram em busca dos arpões mas a baleia não parava. Girava à volta do barco, passava por baixo, chapinhava molhando-nos da cabeça aos pés, alguns homens corriam pelo convés até que, de repente, o capitão gritou: “Parem! Parem! Ela não nos vai atacar! Parece-me que ela só quer brincar!”

    Ouviram-se gritinhos de espanto e alguém questionou:
    - Como é possível?
    - Pois, de facto, ninguém queria acreditar – confessou o avô – mas foi o que aconteceu. Brincou até que se cansou, mas antes de se ir embora olhou-nos mais uma vez e acredito que ficou feliz por, naquela tarde, ter tido companheiros de brincadeira.
    - Voltaram a vê-la? – quis eu saber. 
    - Não, Jorge. Apenas a encontrámos daquela vez mas lembrei-me sempre dela em dias de nevoeiro. É como se habitasse no nevoeiro e, naquele dia, por magia libertou-se e veio brincar connosco.  

    Levantámo-nos, todos se despediram do Ti Manuel com a promessa de que voltaria no dia seguinte com uma nova história; esta já daria conversa para aquele final de tarde. Seria verdade? Seria mentira? Seria a imaginação de um velho lobo do mar aliada a uma vida de trabalho árduo, de dias passados no mar?
    Fosse como fosse, as suas aventuras eram esperadas por todos. Jorge era o seu maior fã e passar uma tarde a ouvir o seu avô contar as mais inesperadas histórias do mar era o que mais gostava de fazer. 

    - Sabes daquela vez em que encontrámos, numa ilha, um tesouro? E daquela vez em que quase naufragámos? E na outra vez em que encontrámos um bote com um náufrago?...
    Assim íamos conversando e regressando lentamente a casa.   

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