Ana Bela
Ana Bela era uma miúda curiosa. Frequentava o jardim de infância mas questionava mais do que qualquer um dos seus colegas. Por diversas vezes, causou algumas situações constrangedoras, só porque Ana Bela queria saber o porquê das coisas e a sua ingenuidade era maior do que si própria.
A educadora Cristina lembrava-se bem do primeiro dia da menina na sua sala. Com apenas três anos de idade, soltara a mão da mãe, que olhava para ela com a lágrima a querer saltar-lhe, a qualquer momento, dos seus olhos ternurentos, e aventurara-se por aquele território novo. Parava a mirar desenhos pendurados na parede, a tirar as medidas aos seus coleguinhas, a avaliar os brinquedos que se encontravam arrumadinhos num canto colorido mas, o que realmente, a fez imobilizar-se e dobrar-se com interesse foi a estante dos livros. É que, apesar da sua tenra idade, Ana Bela adorava folhear os livros, passar com os seus deditos rechonchudos pelos desenhos como se também ela os estivesse a desenhar na sua cabeça...talvez por esse motivo era tão curiosa!
Nesse dia, a educadora levou todos os meninos até ao pátio e pediu-lhes que se sentassem numa roda. Ana Bela, muito criteriosa, avistou uma cadeirinha a um canto e foi buscá-la. Colocou-a na roda e sentou-se. A educadora resolveu dar-lhe alguma liberdade, já que aquele era o seu primeiro dia; então, começou, de imediato, um jogo de apresentação com a criançada. Os primeiros dias nunca eram fáceis pois uns ainda estavam de queixo a tremer, pela ausência dos pais, outros estavam exultantes como se já se conhecessem há anos e, naquele dia, Ana Bela, que também gostava de jogos, olhava tudo a sua volta como se tudo lhe parecesse motivo para questionar. Por entre alguns atropelos e hesitações, o jogo começou e quando chegou a vez da menina, esta levantou-se e disse:
- Chamo-me Ana Bela!
- Olá Anabela! – responderam todos.
- Não! Não! Não entenderam! Eu chamo-me Ana...Bela...
Vincou a pausa entre os seus dois nomes, de modo a que todos entendessem a diferença mas...não foi fácil. A educadora interviu e pediu a todos que ouvissem a sua colega. Nesse momento, Ana Bela esticou o seu braço, a mão fechada, e soltou apenas dois dedos: “Ana..Bela! É assim que eu me chamo! Tenho dois nomes!”
Embora nem todos os seus colegas entendessem exatamente o que ela queria dizer com aquela afirmação, o que é certo é que, a partir dali, todos a chamavam tal como ela os tinha ensinado: Ana...Bela! A educadora sorriu e percebeu que Ana Bela seria, naquele novo ano, a sua menina mais curiosa.
No percurso de vida da pequena Ana Bela, agora com cinco anos, ninguém se esquecia das caricatas situações em que se colocava e, sobretudo, a quem a rodeava...
Numa das idas habituais ao seu pediatra, Ana Bela, acompanhada pela mãe parou imóvel à porta do consultório e hesitou em entrar.
- O que se passa, Ana Bela? – perguntou-lhe a mãe.
- Porque é que o doutor já não tem bigode? – questionou a pequena, numa voz sonora, olhando fixamente para o rosto do médico.
A mãe, sentindo-se um pouco constrangida, mas já habituada às questões da sua filha, sorriu. Nisto, o pediatra piscou-lhe o olho e disse:
- Ora cá está a curiosa Ana Bela! Entra, entra que eu já te conto o segredo.
“Segredo” era uma palavra mágica para Ana Bela que achava que sabendo muitos segredos sabia a razão para tudo.
Noutra ocasião, num dos passeios habituais com a sua avó, até ao parque, Ana Bela ia alegremente tagarelando e colocando mil e uma perguntas, apesar da avó, por vezes já não ter muita paciência para todas, ouvia sempre o que a sua neta tinha para dizer. Nisto, surge à frente delas a senhora Augusta, uma velha amiga da avó e com quem esta gostava muito de conversar; apesar da senhora Augusta já não ouvir muito bem, lá se iam entendendo.
- Oh, avó! – exclama a menina apontando para a senhora Augusta.
Quando Ana Bela esticava a sua mãozita em sinal de dúvida, todos ficavam em sentido, à espera da pergunta:
- Porque é que a senhora Augusta roubou o casaco ao urso? – perguntou Ana Bela.
- Como? – questionou a senhora Augusta abrindo muito os olhos.
- O que dizes? – dirigiu-lhe a avó meio atrapalhada.
- Sim, não vês que ela traz a pele do urso vestida!
Ambas as senhoras deram umas gargalhadas e a avó tentou apaziguar a indignação da sua pequena neta:
- Querida, a senhora Augusta traz um casaco. É só isso, não é a pele de um urso. Ela foi a uma loja, viu o casaco, comprou-o e trouxe-o.
Ainda assim, Ana Bela não ficou completamente convencida mas confiava na avó. Sabia que, brevemente, iria para a escola dos mais crescidos e aí aprenderia o porquê de todas as coisas.
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