A senhora dos gatos


    A senhora Ofélia era muito querida pelas pessoas da sua rua. De uma ponta à outra, todos a conheciam e a acarinhavam...fosse pela sua gentileza, pelo seu sorriso, pela sua boa disposição contagiante ou pelo facto de ter acolhido 25 gatos...até à data!

    A criançada adorava passar junto à sua porta, pois, quando a senhora Ofélia estava à janela, havia sempre oportunidade de ficar a conhecer mais um habitante felino. Agregada a essa visita vinha a habitual oferta de um biscoito de laranja, receita famosa da senhora Ofélia e muito apreciada por todos quanto provavam os seus biscoitos; tanto assim era que passou a ser uma pequena fonte de rendimento para a senhora Ofélia, pois depressa a popularidade dos biscoitos se espalhou. Obviamente que a senhora viu nessa oportunidade a possibilidade de socorrer mais algum amigo de quatro patas. As despesas de alimentar 25 gatos não eram poucas, muito embora contasse com a generosidade dos vizinhos que, de vez em quando, se lembravam de lhe oferecer ração para os seus amigos felinos. Exceto o vizinho do 3ºdireito, resmungão por natureza, todos os restantes respeitavam o projeto felino da senhora Ofélia. Em abono da verdade, não havia razões para queixas, tal era o dom da senhora na educação dos seus gatos: todos faziam as suas necessidades nas caixinhas, todos se mantinham calados durante a noite e parecia que até percebiam as intermináveis conversas que tinham com a sua dona. Adoravam ver a telenovela à noite juntamente com a senhora Ofélia; por vezes, havia algum atrito na disputa do colinho aconchegador da dona, mas esta rapidamente colocava ordem e parecia que todos entendiam que havia de chegar a sua vez. Então, acomodavam-se pacificamente nas caminhas espalhadas pela sala, no tapete, nas mantinhas que cobriam o sofá, sem nunca ocuparem o cantinho da sua dona. 

    A senhora Ofélia sabia a origem de cada um deles, criara-lhes a data de aniversário e dera-lhes um nome: vinte e cinco nomes diferentes! Ao fim do décimo quinto, esgotara-se-lhe alguma imaginação mas resolveu rapidamente o problema! Quando estava a ver a sua telenovela preferida lembrou-se de começar a dar-lhes os nomes dos seus personagens favoritos: o Lucas, que era um gato anafado que não fazia mais nada senão dormir todo o dia; o Silvestre, que era um gato esguio que tinha a mania que era alpinista; a     Maria, que era uma gata elegante, com uma mancha amarela no pescoço como se usasse sempre uma volutuosa echarpe; a Diana, que era uma gatinha meiguinha que ronronava todo o dia (a senhora Ofélia já tinha pensado em levá-la ao veterinário para lhe desligar o botão!) e muitos mais. 

    Tinha gatinhos novinhos que brincavam com tudo, particularmente, com os cortinados já desfiados que tapavam as janelas da sala e os gatos séniores, muito senhores de si mesmos e compenetrados nos seus bigodes brancos. Era uma alegria imensa olhar para aqueles animaizinhos e conhecê-los um a um. 

    Há muito tempo atrás, a senhora Ofélia acolhera o Marquês. Fora talvez o terceiro gato que encontrara na rua e trouxera para casa. Na altura, era ainda um gato jovem mas já demonstrava ser especial, por esse facto dera-lhe o nome a partir da estátua do Marquês de Pombal que via ao cimo da avenida. Sempre achou essa estátua altiva e cativante, tal como o seu gato. 

    O Marquês era um gato imponente, sempre empoleirado no parapeito da janela, de poucas conversas e que não gostava dos gatinhos trapalhões que corriam em euforia pela sala. 

    A senhora Ofélia achava o Marquês especial, diferente, pois enquanto os outros gatos disputavam o seu colinho ou as bolas de lã que a senhora Ofélia lhes oferecera no Natal, o Marquês tinha a sua rotina solitária: de manhã, após o pequeno-almoço, fazia a sua higiene e não dispensava assistir ao programa de entretenimento matinal que a sua dona apreciava; de tarde, empoleirava-se na janela e ali ficava horas a fio a ver passar as pessoas, os carros, os meninos que muita graça lhe achavam. De noite, bem de noite, enquanto os restantes gatos tinham a sua caminha de eleição, o Marquês era o único que fazia questão de subir ao primeiro andar e deitar-se no tapete junto à cama da sua dona. Aquele era o momento de maior carinho e afeição demonstrado por aquele gato a quem já pesavam os anos. 

    A senhora Ofélia olhava para o Marquês e sabia que ele era feliz assim. A senhora Ofélia também era feliz por ter o Marquês e todos os outros gatos que partilhavam a sua casa  e por dedicar a sua vida a cuidar deles.  




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